Mãe Eurides Maria.

evento nascimento é carregado de simbolismo em todas as culturas e salvo alguns casos traz sempre alegria, esperança, renovação. Na espécie humana, a chegada de um novo ser ainda que nem sempre esperado, planejado ou querido, transforma tudo ao seu redor. 

Desde a gestação, a futura mamãe prepara com todo capricho a espera da nova criatura que vem fazer parte da família, alegrar a casa e transformar para sempre a vida dos pais.

Conheço uma senhora que pariu quinze filhos e conta com entusiasmo que sempre ao nascer mais um(a) naquela humilde casa, o clima se modificava e essa atmosfera era vivenciada com extrema felicidade naquela família. Era como a se a vida embora sofrida deixasse esquecida as dificuldades e respirasse um novo ar de esperança, mesmo sabendo que a responsabilidade aumentaria.

Allan Roberth.

Recentemente, vi através das redes sociais uma cena que muito me tocou; uma mulher que pelas imagens se percebia logo não gozar plenamente das suas faculdades mentais, recém parida, de pé ao lado da criança ao chão e um olhar perdido como se não soubesse o que fazer com aquele serzinho que mexia mãos e pés no duro cimento da calçada de um hospital em Rio Branco (AC).

A cena chocante me fez lembrar da nossa humilde casa no interior e imaginar como foi a chegada dos cinco filhos no ambiente residencial, apenas a última nasceu no hospital. Fiquei alguns minutos imaginando o quarto sem quase nada de móveis mas arrumado, cheirando a “oriza” advindo das roupas que mamãe lavava cuidadosamente nas águas do Mearim.

E aí me veio a imagem de uma personagem muito importante nas cidades pequenas em épocas não tão distantes, porém esquecidas nessa nova era de melhorias, ainda que poucas da saúde pública desse nosso país.

As “parteiras”, mulheres guerreiras que fizeram do ofício de ajudar vir ao mundo milhares de crianças e, ainda que pagas em algumas situações em que os pais podiam dar algum dinheiro, na maioria das vezes faziam seu trabalho apenas por amor e recebiam como pagamento o reconhecimento dos pais do novo ser que lhes tratavam de “comadre” o respeito das crianças que a partir de então as chamariam “mãe”.

Destemidas, essas mulheres aprendiam o ofício com outras mais experientes ou mesmo se tornavam parteiras por acaso, desafiadas por situações em que tiveram que agir dado a urgência e necessidade do caso. 

Em alguns casos mais difíceis elas mesmas recomendavam levar a paciente a um hospital pois o parto exigia a utilização de recursos apropriados e profissionais preparados. Mães e mulheres, elas também sofriam quando não raro em épocas difíceis e esgotados os recursos, “perdiam” uma vida, ou em alguns casos duas quando mãe e filho morriam. 

Ao serem chamadas em suas casas, muitas vezes à noite, debaixo de chuva, ou no momento de descanso, rumavam sem demora para a casa da gestante. Mulheres de fé, iam pelo caminho pedindo a DEUS que as acompanhasse e que desse à parturiente uma “boa hora”.

Ao simples toque das mãos na barriga da gestante, acomodando a criança sabiam mais ou menos quantas horas levaria para o bebê nascer. Entendiam de astrologia, pois relacionavam a ação do parto da mulher com a fase da lua e as acalmava proferindo palavras de segurança.

O ofício também exigia força braçal pois ajudavam a empurrar a criança para a saída e em algumas vezes pedia a ajuda do pai ou algum familiar para segurar a parturiente numa posição melhor para o parto. Se alegrava quando via que a criança já com a cabeça aparecendo também se apressava para nascer e dizia à mãe; “coroou”.  

Essa linguagem era a senha para dizer que o parto já estava acontecendo e que não demorava mais para a criança ser expelida aliviando as dores da mãe. A sabedoria dessas mulheres é incrível. Digo é porque ainda em lugares distantes e isolados são elas que ainda ajudam nos partos.

Abro aqui um espaço para falar e homenagear aquela através da qual, eu, mais quatro irmãos e uma centena ou quem sabe milhares de crianças da cidade de Pedreiras, vieram ao mundo. Falo com orgulho de EURIDES MARIA DA SILVA LIMA, ou simplesmente “mãe Eurides”.

Nascida em Caxias em 29/04/1919, mudou-se para Pedreiras na década de 50 e ali desenvolveu o ofício de parteira até suas condições físicas permitirem. Lembro-me bem da sua figura tranquila quando passávamos pela rua Oscar Galvão e necessariamente encostávamos para pedir a sua bênção. 

Ela com certeza sem saber que éramos pois foram muitos os que ajudou a nascer, sempre nos abençoava e vez por outra perguntava de quem éramos filhos. Mas sempre muito carinhosa com as crianças, suas preferidas. 

Mãe de nove filhos sabia como ninguém a importância da sua presença feminina nessa hora tão delicada da vida das mulheres. Transmitia conhecimentos, sabedoria, fé, coragem, raça e humanidade. 

Faleceu aos nove dias do mês de maio do ano de 1984. Logo ela, a mãe de tantos partiu no mês dedicado às mães bem próximo ao dia delas. Aquela que presenciou e ajudou a vir ao mundo tantas vidas partiu para viver a vida sem fim, deixando um legado de amor ao próximo, dedicação e fé.

Lamento que em nossa cidade nenhuma rua, praça, escola, clube ou outro espaço qualquer tenha o nome de EURIDES MARIA para perpetuar a memória dessa grande mulher, mãe e doutora da vida. 

Hoje ao ouvir falar sobre a disseminação dos “partos humanizados” nas grandes cidades, pelos quais se paga uma grana boa, pois depende de uma equipe toda que acompanha a mulher desde a gestação até a hora do parto que também pode ser no aconchego do lar, penso nas mães Eurides desse Brasil que não enricaram com seu ofício, mas enriqueceram tantas vidas com suas singelas mãos.

Agradecimentos à "Mazé" e "Ribinha", filhos de “mãe Eurides” pelas informações.


Matéria retirada do Blog do Joaquim Filho.


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